Em mais uma ação para esclarecer a comunidade sobre o processo da recuperação judicial deferida na sexta-feira (2) pelo juiz Paulo Roberto Zaidan Maluf, da Vara de Conflitos Empresariais e Tribunais de São José do Rio Preto, a diretoria da Santa Casa de Araçatuba realizou nesta terça-feira (6) reunião com gestores dos municípios para os quais é referência de média e alta complexidades.
Participaram 30 gestores, dentre secretários, diretores e reguladores municipais, 25 dos quais de forma remota. Os municípios representados no presencial foram Araçatuba, Alto Alegre, Buritama, Nova Castilho e Rubiácea. A pauta girou em torno do processo de recuperação judicial iniciado em 24 de julho para esclarecimento de dúvidas do setor em relação à medida adotada em decorrência do endividamento histórico da instituição.
“A decisão foi tomada após ampla e detalhada análise pela diretoria e pelos conselhos do hospital diante da gravidade da situação financeira da instituição. O hospital correu risco de desassistência por falta dos recursos essenciais aos atendimentos”, justificou o provedor Petrônio Pereira Lima, que compôs a banca para respostas às dúvidas juntamente com o administrador hospitalar, Luiz Otávio Barbosa Vianna; o diretor técnico, Ronaldo Chiderol, o advogado Rodrigo Santos Perego, do Escritório Santos Perego & Nunes da Cunha Advogados Associados que elaborou e está conduzindo a ação de recuperação judicial da Santa Casa de Araçatuba, e o advogado Rogério Soares, que também compõe os trabalhos.
Permissão do Estado?
Uma das dúvidas apresentadas foi se o Estado, através da Secretaria Estadual de Saúde, teria que ter permitido a recuperação judicial da Santa Casa. “A instituição não precisaria efetivamente de uma consulta prévia ao Estado porque por mais que esteja vinculada ao sistema de saúde como um todo, ou seja, há um relacionamento intrínseco, o Estado não é um agente estatutário da instituição. Estatutariamente, não precisaria ser consultado previamente sobre a RJ”.
Mesmo assim, a diretoria incluiu a Secretaria Estadual de Saúde, através do Departamento Regional de Saúde, que a representa para 43 municípios da região administrativa de Araçatuba, como uma das instituições que seriam informadas da recuperação judicial antes da apresentação da ação na Justiça. No entanto, não conseguiu o contato presencial. Em uma das tentativas de agendar a reunião, a direção do DRS alegou falta de espaço na agenda. Em outra ocasião, o encontro foi agendado, mas desmarcado horas antes pela direção, que não indicou um representante para receber a diretoria do hospital. A comunicação foi feita através de mensagem por aplicativo no celular pessoal do diretor após a ação ser ajuizada. O texto foi visualizado, porém a diretoria não recebeu qualquer tipo de manifestação em resposta.
Como ficará o atendimento?
A principal dúvida dos gestores foi sobre eventuais mudanças na assistência aos 40 municípios que têm no hospital a referência de alta complexidade, quatro dos quais também em média complexidade. O administrador Luiz Otávio Vianna explicou que a assistência aos pacientes não sofrerá nenhuma alteração e todos os planos operativos com o Ministério da Saúde, Secretaria Estadual de Saúde e as prefeituras, como a de Araçatuba, que mantêm convênios específicos com o hospital, serão cumpridos normalmente.
A RJ não impede a Santa Casa de Araçatuba de continuar recebendo pelos convênios já firmados, bem como de firmar novos contratos para assistência de pacientes. “A questão de que o hospital não vinha conseguindo cumprir o plano operativo é fato; e essa foi uma das razões que motivaram o pedido de recuperação judicial. A instituição sempre teve como meta o cumprimento dessas obrigações, entretanto, pelas dificuldades que vinha enfrentando estava difícil atender toda a demanda”, afirmou Vianna. Para ele, a RJ representa um fôlego e um tempo para o hospital reorganizar sua questão econômico-financeira sem a pressão exercida pelo endividamento.
O advogado Rodrigo Santos Perego pontuou que “a RJ veio para trazer uma melhoria tanto para a entidade quanto para o atendimento da população, como vivenciamos em outras instituições para as quais elaboramos e conduzimos planos de recuperação judiciais”. Dentre os casos práticos de avanços em instituições com situações análogas à da Santa Casa de Araçatuba, Perego citou a Santa Casa de Fernandópolis. “Após um ano e meio de processo de recuperação judicial, o hospital de Fernandópolis tem hoje um cenário mais saudável financeiramente e também no que tange à assistência à população”.
Hospital conseguirá cumprir os convênios e receber repasses?
Outras questões levantadas por gestores municipais de Saúde, que integram o CIR ( Comissão Intergestores Regional) e foram reportados pela secretária de Saúde de Araçatuba, Carmem Guariente, se relacionam à insegurança dos municípios sobre se a Santa Casa de Araçatuba, agora sob recuperação judicial, terá capacidade de cumprir os planos operativos conveniados e se poderá receber repasses oficiais.
O advogado Rogério Soares explicou que com a recuperação judicial há muito mais motivos para o setor sentir-se seguro agora que o endividamento de R$ 250 milhões permanecerá congelado por 180 dias para que o hospital reorganize seus ativos. “A RJ dá uma segurança muito maior para que a Santa Casa de Araçatuba venha receber os repasses oficiais. Antes, a instituição tinha repasses que poderiam ser vinculados a algum tipo de operação, ou seja, um dinheiro praticamente carimbado e acessível a eventuais penhoras. Com a recuperação judicial, as contas bancárias do hospital estão livres e os repasses são originalizados para o que efetivamente são, que é o convênio de saúde. E isso é uma segurança.
Como exemplo do impacto positivo produzido pelos primeiros 15 dias de recuperação judicial, o provedor Petrônio Pereira Lima explicou que pela primeira vez nos últimos dois anos o fluxo de caixa da instituição possibilitou o pagamento de insumos adquiridos neste período, dos serviços médicos e dos salários dos colaboradores. “Os salários foram pagos no primeiro dia útil de agosto, os serviços médicos nesta primeira semana; a farmácia está abastecida e os fornecedores que venderam insumos gerais a partir do dia 24 de julho já foram devidamente pagos”, anunciou o provedor.
O diretor técnico, Ronaldo Chiderol, afirmou que a adimplência do hospital já apresenta reflexos significativos à assistência aos pacientes. “Estávamos com 42 pacientes internados há vários dias, alguns dos quais com fraturas, à espera de cirurgias da especialidade de Ortopedia. Todos já foram operados e tiveram alta. Solucionamos a questão de saúde desses pacientes e liberamos leitos, que são tão necessários às demandas do hospital”.
Chiderol anunciou também que a produção do Bloco Cirúrgico está saindo de médias diárias de 20 cirurgias para 42 cirurgias. “É tudo o que precisamos? Ainda não! Mas estamos caminhando em direção a isso”. O Bloco Cirúrgico da Santa Casa de Araçatuba tem capacidade para realizar até 110 cirurgias/dia. “Agora que ajustamos a equipe de anestesistas e temos suprimento de medicamentos e materiais cirúrgicos, aos poucos o hospital conseguirá atender às demandas”.
Cirurgias eletivas serão retomadas?
A questão das cirurgias eletivas também foi abordada durante a reunião com os gestores municipais de Saúde. O administrador Luiz Otávio Barbosa Vianna explicou que a maior demanda está na especialidade de Ortopedia com mais de 700 pacientes. “Vamos reencaminhar os laudos aos municípios de origem para atualização da situação dos pacientes. A intenção é apurar os que ainda esperam pelo procedimento. Com isso, vamos organizar a agenda com os municípios e iniciar a chamada dos pacientes”, anunciou Vianna.
No entanto, o administrador explicou que cirurgias de média complexidade serão realizadas somente para os municípios em que a Santa Casa de Araçatuba é referência nessa categoria (Araçatuba, Santo Antônio do Aracanguá, Nova Luzitânia e Bento de Abreu). “Os laudos de pacientes das demais cidades terão de ser direcionados a hospitais de média complexidade mais próximos do município de origem”.
Plano de recuperação e administrador judicial
A Santa Casa de Araçatuba é o primeiro hospital paulista nível 1 autorizado a implantar processo de recuperação judicial. A classificação nível 1 é atribuída a hospitais especializados, com recursos tecnológicos e humanos adequados para o atendimento de urgências. O hospital tem prazo de 60 dias, a contar da data do deferimento da ação, pela Justiça, para apresentar o plano de recuperação de seus ativos.
O plano será analisado pela Vara de Conflitos Empresariais e Tribunais de São José do Rio Preto, que nomeará um administrador judicial, profissional auxiliar do juiz, para a condução das providências tomadas no processo de recuperação judicial, dentre as quais, a verificação dos créditos e o pagamento dos credores. Esse profissional não interfere na administração da instituição.
Uma das providências do hospital, no plano de recuperação, será aumentar a captação de recursos, fontes extras em relação às existentes até a data da aprovação da RJ. Durante a reunião, o provedor Petrônio Pereira Lima explicou que a captação de emendas parlamentares estaduais e federais será intensificada, bem como um projeto para sensibilizar os vereadores de Araçatuba, que a partir do próximo mandato terão em torno de R$ 1,2 milhão cada um para destinar, por meio de emendas impositivas, a instituições assistenciais.
O provedor também anunciou novos aportes governamentais previstos para este ano para a Santa Casa de Araçatuba. “Já está consolidado um novo convênio da Secretaria Estadual de Saúde no valor R$ 500 mil/mês para o Serviço de Oncologia”. O governo federal também já aprovou dois importantes socorros financeiros ao hospital e depende apenas de ajuste de orçamento para liberação. “Um deles é aumento do teto dos planos operativos (média e alta complexidades) em R$ 1,9 milhão/mês e R$ 27 milhões em recurso extraordinário para reposição dos atendimentos extrateto que foram realizados nos últimos cinco anos e não foram pagos pelo Ministério da Saúde”.
Os representantes da Santa Casa de Araçatuba reafirmaram confiança em relação aos resultados positivos que a RJ vai proporcionar ao hospital. “É claro que isso não acontecerá de um dia para outro. Precisamos agora de um tempo de reorganização, mas os efeitos devem começar a aparecer em curto espaço de tempo em relação ao atendimento, com ampliação da capacidade atual”, definiu o administrador Luiz Otávio Vianna.